Manchete 4

MASCULINIDADE DO MOVIMENTO LEGENDÁRIOS NÃO TEM FUNDAMENTO BÍBLICO

O movimento Legendários promove uma visão de masculinidade que não encontra fundamento na Bíblia.

Por Caio Peres*

Uma aventura na floresta, só para homens, a fim de restaurar sua “configuração original”. Essa é a proposta de retiro espiritual do movimento Legendários, que tem atraído celebridades, influencers, coaches e líderes religiosos. O título do livro de seu idealizador, o pastor evangélico Chepe Putzu, indica qual seria essa identidade masculina original: “A Rota do Caçador”. Esse ideal do homem caçador não parece alinhado com o único item que cada participante é obrigado a levar na aventura: a Bíblia.

A relação do Legendários com a igreja evangélica vai além do seu fundador. No Brasil, o movimento é liderado por Ricardo Bernardes, também pastor evangélico. Parte importante dos retiros espirituais promovidos pelo movimento são os cultos e as pregações.

Entre os evangélicos, existe uma opinião quase unânime sobre o papel de homens e mulheres no casamento e na sociedade. Baseados na interpretação de alguns textos bíblicos, como Gênesis 3:16–19 e Efésios 5:22–33, esses evangélicos acreditam que os homens devem ser líderes provedores e protetores, enquanto as mulheres devem ser auxiliadoras submissas.

A imagem mostra um grupo de homens vestidos com jaquetas laranjas, em um ambiente ao ar livre. Dois homens estão em destaque, um deles segurando um chapéu e o outro olhando para ele. Ao fundo, há mais pessoas com roupas semelhantes. Na parte inferior da imagem, há um texto que diz: ‘WELCOME TO THE HERO NEYMAR PAI LGND 70,010’.

Neymar da Silva Santos, pai do jogador Neymar, do Santos, já participou de um dos eventos do movimento Legendários – @chepeputzu no Instagram/Reprodução

Essa é a ideologia de gênero, baseada numa teologia evangélica, que está por trás do homem caçador do Legendários. Ironicamente, esse ideal masculino se parece mais com a masculinidade criticada na Bíblia.

Uma aventura de homens caçadores na floresta se parece muito com um episódio na “Epopeia de Gilgamesh”. Esse mito mesopotâmico é a peça literária mais antiga da história e ficou conhecido por conter o relato de um dilúvio mundial semelhante ao que se encontra na Bíblia (Gênesis 6–9). Nessa história, Gilgamesh, um grande rei da cidade suméria de Úruk, e Enkídu, um grande guerreiro selvagem, se aventuram pela fantástica Floresta de Cedros para ganhar fama e poder.

O personagem bíblico mais parecido com Gilgamesh e Enkídu chama-se Ninrode. Sua identidade? Um valente caçador (Gênesis 10:8–12). Ele é descrito como fundador de um grande reino que começa em Babel, aquela cidade com uma torre até o céu. Na narrativa bíblica, Deus se opõe a esse projeto e dá um fim a ele (Gênesis 11). As semelhanças entre Ninrode e Gilgamesh e Enkídu não são coincidências. Os grandes reis mesopotâmicos eram caracterizados como caçadores, fortes e poderosos.

Contra esse ideal do homem caçador, a Bíblia apresenta uma alternativa. O povo do antigo Israel conta a sua origem a partir de uma disputa de dois irmãos gêmeos, Esaú e Jacó. Enquanto Esaú é um “valente caçador”, Jacó é descrito como um homem tranquilo e caseiro (Gênesis 25:27). Entre esses dois, Jacó é o escolhido por Deus para formar o seu povo.

A masculinidade representada por Jacó parece adequada para os propósitos de Deus na Bíblia. Já a masculinidade representada por Esaú está alinhada com os propósitos dos grandes impérios da Mesopotâmia, que sempre foram uma ameaça aos propósitos de Deus. A Bíblia, que foi composta por um povo que sofreu muito nas mãos desses reis heróis e caçadores, critica esse tipo de masculinidade.

Os diversos movimentos de masculinidade, dentro e fora do mundo evangélico, tentam responder à percepção de uma crise existencial e social entre os homens. Essa percepção, geralmente, está associada à maior participação e ao sucesso de mulheres na vida familiar e pública. O que, para eles, significa a diminuição do protagonismo masculino.

A Bíblia, item obrigatório nas mochilas dos aventureiros Legendários, propõe outra resposta. Será que um movimento de masculinidade tranquila e caseira, como era Jacó, atrairia tanto a atenção desses homens que querem se tornar melhores para suas esposas, filhos, famílias, comunidades e para a sociedade?

(*O autor é Mestre em teologia e estudos da religião pela Universidade Livre de Amsterdã – HOL)

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