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PERCY FAWCETT, QUE SUMIU HÁ 100 ANOS, ESTAVA CERTO SOBRE ANTIGAS POPULAÇÕES NA AMAZÔNIA

Explorador britânico desapareceu em Mato Grosso à procura da cidade Z; hoje, sabe-se que ele tinha alguma razão.

Percy Harrison Fawcett acreditava na existência do continente mítico da Atlântida, em estatuetas com poderes paranormais e na presença de uma cidade monumental pré-colombiana, que ele apelidou de “Z”, no coração da Amazônia brasileira. O explorador britânico sumiu do mapa em Mato Grosso há cem anos, levando consigo o filho mais velho e um amigo da família, e a grande ironia é que, apesar das ideias exóticas, ele estava parcialmente certo.

Ocorre que, com base no seu contato com povos indígenas amazônicos, Fawcett tinha concluído que alguns deles ainda contavam com complexidade cultural e conhecimento técnico relativamente refinados. Essas pistas, segundo o expedicionário, seriam suficientes para considerá-los herdeiros de alguma antiga civilização, hoje desaparecida.

A imagem mostra um homem de pé, vestido com roupas de explorador, incluindo um casaco e um chapéu. Ele tem uma barba e um olhar sério. O fundo é claro, e ele está posicionado em frente a uma estrutura que parece ser uma varanda ou uma grade.
Percy Fawcett no Peru, em 1911

E é algo semelhante a isso que as últimas décadas de pesquisa arqueológica têm revelado. Com os dados disponíveis hoje, tudo indica que, de fato, a Amazônia, no período imediatamente anterior à invasão europeia, estava repleta de aldeias populosas (algumas com milhares de habitantes num só lugar), redes de estradas largas, centros cerimoniais e trocas comerciais de longa distância. Esse cenário incluiria o Alto Xingu, onde Fawcett e seus companheiros desapareceram em maio de 1925.

Às vezes descrito como a figura da vida real que teria inspirado a criação do arqueólogo aventureiro Indiana Jones, Fawcett nasceu em Torquay, no sudoeste da Inglaterra, filho de um aristocrata alcoólatra e mulherengo que tinha empobrecido.

Em sua juventude, o Império Britânico tinha atingido o auge da extensão e do prestígio, e Fawcett iniciou sua carreira militar como tenente de artilharia nas forças coloniais que ocupavam a ilha do Ceilão (atual Sri Lanka, sul da Ásia).

Aos 21 anos, ele tomou contato com a primeira lenda sobre um tesouro perdido, o de Gala-pita-Gala (algo como “rocha sobre rocha”), no interior da ilha. Fawcett não conseguiu achar nada de muito relevante por lá, mas os anos no Ceilão serviram para estimular seu fascínio pela cultura tradicional da região, em especial o budismo, e também para que ele conhecesse a moça com quem acabaria se casando, a bela Nina Patterson.

Em seus anos de formação, o militar sofreu ainda grande influência da teosofia, movimento criado pela mística russa Helena Blavatsky (1831-1891). O pensamento teosófico incorporava crenças na reencarnação, em poderosos mestres espirituais que estariam influenciando toda a humanidade com seus poderes e numa complexa sucessão de “raças” ao longo da história, incluindo os sábios habitantes da Atlântida.

Segundo o jornalista americano David Grann, biógrafo de Fawcett, as crenças teosofistas eram a mistura ideal para membros da elite vitoriana que tinham mentalidade transgressora e decidiam abandonar a fé cristã tradicional. O lado sombrio dessas ideias era a fixação em temas raciais, num caldeirão cultural que influenciaria os regimes de supremacia branca, o fascismo e o nazismo.

O destino de nossa próxima expedição (vou designá-lo como ‘Z’, para facilitar) é uma cidade que possivelmente seria habitada por alguns membros desse povo tímido, e, quando voltarmos [à Amazônia], pode ser que essa questão finalmente seja resolvidaPercy Fawcett

explorador britânico

Em busca da fama

Junto com a inspiração ocultista, Fawcett trazia a ambição de se tornar um explorador de renome. Com esse objetivo, ele fez o curso mais prestigioso sobre o tema na época, criado pela RGS (sigla inglesa de Real Sociedade Geográfica). A RGS, sediada em Londres, foi um dos órgãos-chave para o mapeamento do planeta ao longo do século 19 –e também para o uso dessas informações em favor do imperialismo britânico.

Ao longo das duas primeiras décadas do século 20, Fawcett fez uma série de expedições patrocinadas pela RGS, pelo governo britânico e por países sul-americanos, viajando principalmente pela região oeste da Amazônia, na Bolívia, no Peru e no Brasil. Seu trabalho ajudou a resolver, por exemplo, conflitos de fronteira envolvendo essas nações, já que muitos dos rios e matas ali nunca tinham sido mapeados em detalhes até então, e a RGS era vista como um árbitro imparcial dessas disputas.

Apesar do sucesso dessas expedições, os métodos de Fawcett muitas vezes eram pouco ortodoxos e rudimentares, mesmo naquela época. O lado positivo disso é que o oficial britânico, ao contrário de muitos outros estrangeiros que se aventuravam na Amazônia nessa época, buscava respeitar os povos indígenas que encontrava e evitava qualquer tipo de violência no trato com eles. Era uma abordagem parecida com a de seu contemporâneo Cândido Rondon (1865-1958), militar brasileiro que fundou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio, órgão ancestral da Funai).

Por outro lado, no entanto, Fawcett tinha uma confiança quase irracional na sua capacidade de realizar as coisas “no braço”. Preferia viajar com poucas pessoas e carregar uma quantidade limitada de suprimentos, defendendo que era melhor tentar sobreviver a partir dos recursos da própria mata. Como era muito resistente ao cansaço e às doenças tropicais, menosprezava os companheiros que adoeciam ou não acompanhavam seu ritmo.

Além disso, Fawcett tinha adotado ideias um bocado exóticas sobre o passado amazônico e o da América do Sul como um todo. De posse de uma estatueta supostamente obtida no interior do Brasil, ele foi consultar um vidente. Essa pessoa, cujo nome não é revelado nos escritos de Fawcett, declarou que o artefato provinha de um grande templo que ficava no lado oeste de um continente perdido, equivalente à Atlântida.

O relato sobre a estatueta aparece em “A Expedição Fawcett”, livro organizado pelo filho sobrevivente do viajante, Brian Fawcett, nos anos 1950, e publicado no Brasil em 2023. A obra reúne anotações do explorador sobre várias de suas viagens e aborda ainda a ideia de que descendentes da civilização perdida, que seriam indígenas de aparência europeia, ainda poderiam existir na selva.

O território indígena do Xingu, em Canarana, Mato Grosso – Foto: Lalo de Almeida, Folhapress

“Em muitas ocasiões os primeiros exploradores do interior relataram vislumbres de nativos vestidos, com aparência europeia. Esses relatos, até agora, não foram confirmados, mas não é possível deixá-los de lado de forma leviana”, escreveu Fawcett. “O destino de nossa próxima expedição (vou designá-lo como ‘Z’, para facilitar) é uma cidade que possivelmente seria habitada por alguns membros desse povo tímido, e, quando voltarmos [à Amazônia], pode ser que essa questão finalmente seja resolvida.”

Foi com esse objetivo que o militar, seu filho Jack e o amigo de infância dele, Raleigh Rimmel, voltaram ao Brasil em 1924. Depois de passarem algum tempo no Rio de Janeiro, então a capital do país, eles partiram para Cuiabá, onde a expedição começou oficialmente, em 20 de abril de 1925, com o fim da temporada das chuvas em Mato Grosso.

(Da Redação com Folhapress)

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