Por Vandré Kramer*
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Banco Central estão travando um “cabo de guerra” econômico. De um lado, a autoridade monetária aumenta os juros – a taxa Selic – para tentar controlar a inflação. Do outro, o presidente da República anuncia medidas que injetam recursos na economia para agradar eleitores e recuperar sua popularidade, que está em níveis historicamente baixos, especialmente junto à classe média.
Desde março, o governo implementou uma série de estímulos econômicos que contribuem para manter a economia mais aquecida e, por tabela, servem de estímulo para a alta de preços ao consumidor:
- liberação do saque do FGTS para trabalhadores demitidos que aderiram ao saque-aniversário;
- ampliação das faixas de renda do Minha Casa, Minha Vida para contemplar quem ganha até R$ 12 mil mensais;
- novas regras para o crédito consignado a trabalhadores do setor privado; e
- ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil, esta programada para vigorar de 2026 em diante.
Estimativas indicam que essas iniciativas devem injetar cerca de R$ 150 bilhões na economia até 2026, num momento em que o BC aposta na desaceleração da atividade econômica como caminho para conter o avanço da inflação e reverter o ciclo de alta na taxa Selic, iniciado em setembro.
“Medidas como liberação do FGTS, implementação do consignado CLT e aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda vão causar mais desequilíbrio nas contas públicas e impulso de demanda na economia, com riscos severos de desancoragem das expectativas inflacionárias”, alerta Eric Hatsuka, estrategista-chefe da Mirabaud Capital.
A atividade econômica brasileira demonstra resistência ao aperto monetário. Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), em 12 meses até fevereiro, houve crescimento de 3,1% sobre igual período anterior. Em 2023, o PIB aumentou 3,4%.
A resiliência do PIB e do mercado de trabalho influenciam diretamente as decisões do Copom. Na última reunião em março, o comitê elevou a taxa Selic para 14,25%, o maior patamar desde 2016. Para a reunião desta semana, os contratos de opção negociados na B3 indicavam na sexta-feira (2) probabilidade de 74,8% para alta de meio ponto percentual, o que levaria o juro básico para 14,75% ao ano, nível não visto desde 2006.
Se a sinalização dos contratos de opção do Copom se confirmarem, há possibilidades de que a alta na taxa Selic se encerre nesta reunião. O ponto médio das expectativas do mercado financeiro para os juros em dezembro caiu nesta semana para 14,75% ao ano, segundo o boletim Focus, do BC.
Não só a atividade econômica aquecida que leva os diretores da autoridade monetária a aumentarem a taxa Selic. Uma preocupação relacionada é com a alta da inflação, causada pela demanda aquecida. A alta nos preços ao consumidor em 12 meses atingiu 5,48% em março, a maior desde fevereiro de 2023, segundo o IBGE.
As expectativas da inflação também estão bem descoladas das metas do Conselho Monetário Nacional (CMN). O Focus mostra que as projeções para o IPCA deste ano estão em 5,53%, mais de um ponto percentual acima do teto da meta – que é de 4,5%. Para 2026, a expectativa é de 4,51%, pouco acima do limite.
Confira a seguir como as medidas populistas de Lula mantêm a economia aquecida, dificultando a redução da taxa Selic.
Ampliação do Minha Casa, Minha Vida: medida para atender a classe média
A medida populista mais recente de Lula e que busca atender à classe média, mais resistente a ele e à esquerda, foi o aumento nas faixas de atendimento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.
Portaria publicada em 25 de abril estende o programa habitacional para quem ganha até R$ 12 mil mensais e permite a compra de imóveis de até R$ 500 mil, com prazo de pagamento de até 35 anos e juros nominais de até 10%.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia que o programa será um dos responsáveis por sustentar o investimento em 2025, embora projete uma desaceleração do crescimento de 7,3%, o ano passado, para 2,8%.
A Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) destaca que um dos fatores que deve favorecer o crescimento do segmento neste ano (projetado em 2,8%) é a expansão do Minha Casa, Minha Vida.
Consignado do setor privado: injeção de R$ 70 bilhões
A mudança nas regras do crédito consignado para trabalhadores do setor privado deve injetar R$ 70 bilhões na economia até 2026, segundo cálculos da XP Investimentos. Os empréstimos, que começaram a ser liberados no fim de março, afetarão a economia de duas formas:
- substituição de dívidas caras por consignados mais baratos, reduzindo o custo do endividamento familiar;
- e ampliação do acesso ao crédito para trabalhadores privados, estimulando diretamente o consumo.
A intenção é de que o consignado para o setor privado substitua modalidades de crédito mais caras, como empréstimos pessoais não consignados, cheque especial e rotativo do cartão de crédito.
Apesar das expectativas de desaceleração econômica, motivadas por problemas internos – como o descontrole fiscal, a alta inflação e os juros elevados – e pela instabilidade global, a modalidade de crédito funcionará como “amortecedor”, sustentando o consumo e contribuindo para a resiliência da economia doméstica.
Maior faixa de isenção do IR pode injetar R$ 66 bilhões na economia em 2026
A proposta de ampliar a faixa de isenção do IR para R$ 5 mil mensais, encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional no final de março, pode injetar R$ 66 bilhões na economia via aumento da renda disponível das famílias, segundo cálculos do professor Thiago Moreira, do Ibmec/RJ e ESPM/SP divulgados pelo Valor.
Os maiores benefícios virão das faixas entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, onde 90% do aumento da renda deve se destinar ao consumo. Para quem ganha entre R$ 4 mil e R$ 5 mil, esse percentual cai para 82%, e entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, para 76%.
A expectativa é que 62% desses recursos sejam direcionados ao setor de serviços, justamente um dos que tem pressionado a inflação e influenciado as decisões do Copom para elevar as taxas de juros.
A entrada desse dinheiro na economia, entretanto, depende da aprovação da proposta pelo Congresso Nacional, e só entraria em vigor no início do ano que vem.
Saque extraordinário do FGTS: R$ 12 bilhões para conter queda de popularidade
Uma das primeiras medidas econômicas anunciadas por Lula para tentar conter o desaquecimento da atividade econômica foi a liberação de recursos para trabalhadores do setor privado que aderiram ao saque-aniversário do FGTS e foram demitidos sem justa causa até 28 de fevereiro.
A flexibilização das regras permitiu acesso imediato aos recursos, que antes exigiam espera de dois anos. No momento da rescisão do contrato de trabalho, os trabalhadores podiam resgatar apenas a multa de 40% do saldo do FGTS.
As primeiras liberações ocorreram no início de março, com previsão de injetar R$ 12 bilhões na economia. O anúncio coincidiu com pesquisas que mostravam forte queda na popularidade do presidente.
(*Vandré Kramer é formado em Economia pela UFPR e com MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela FIA/USP, tem mais de 30 anos de jornalismo. Atuou em redações no interior de São Paulo, como Folha Norte, Folha Nordeste e Folha Ribeirão, e em Santa Catarina, em A Notícia, Grupo RBS e ND Joinville. Desde 2018, está na Gazeta do Povo, onde já trabalhou nas editorias de Mundo, Home e Paraná. Atualmente, seu foco são temas macroeconômicos na editoria de Economia.)